
José Carlos Fernandes Junior – Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) desde 1991. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM-SP). Especialista em Divisão de Poderes, Ministério Público e Judicialização pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPMG (CEAF/MPMG). Autor do livro ANPC e o aprimoramento da efetividade na conclusão dos procedimentos extrajudiciais presididos pelo Ministério Público e de diversos artigos científicos na área do Direito Administrativo.
A busca pela justiça social não é exclusiva de nenhuma ideologia específica e não deve ser usada como pretexto para ataques indiscriminados à livre iniciativa ou ao sistema capitalista, responsabilizando-os pela ocorrência das mais diversas mazelas vivenciadas no Brasil, independente de sua efetiva relevância na produção destas.
Não é nenhum governo ou partido político, mas a própria Constituição da República que estabelece uma ordem econômica baseada na livre iniciativa e na propriedade privada, guiada pelos princípios fundamentais do desenvolvimento sustentável e da justiça social. Esses objetivos, democraticamente elegidos pelo Poder Constituinte Originário nos arts. 1º, IV, e 170, do Texto Maior, buscam fortalecer o sistema econômico nacional em harmonia com o interesse coletivo.
Desde Adam Smith, em sua obra clássica An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (1776), o capitalismo moderno fundamenta-se no princípio da liberdade econômica como meio de alcançar o bem-estar geral. Smith, com sua célebre metáfora da “mão invisível”, defendia que o interesse individual, ainda que egoísta, promove indiretamente benefícios coletivos, contribuindo para uma ordem econômica espontânea e autorregulada. Esta ideia constitui o cerne do capitalismo liberal, ao reforçar a importância da livre iniciativa na promoção da prosperidade econômica e social.
Ainda que alguns autores antagônicos busquem relativizar o papel de Smith como defensor do capitalismo, a literatura econômica consagrada não deixa dúvidas sobre sua posição fundacional. Robert Heilbroner (2000), em The Worldly Philosophers, o define como o “pai do capitalismo”, e Friedrich Hayek o reconhece como o precursor do princípio da ordem espontânea, alicerce da racionalidade do livre mercado. Joseph Schumpeter (1954), em History of Economic Analysis, admite que Smith pode não ter sido o primeiro a falar de temas econômicos, mas foi o primeiro a organizá-los de forma coerente e orientada à liberdade de iniciativa individual.
Contudo, é igualmente verdade que o capitalismo evoluiu muito desde então. De um modelo absolutamente liberal, com restrita intervenção estatal, avançou para um sistema mais equilibrado, adaptando-se às demandas sociais e ambientais contemporâneas. Grandes crises, especialmente a Grande Depressão de 1929, demonstraram que a presença ativa do Estado é necessária para estabilizar economias e reduzir impactos sociais negativos, atribuindo ao capitalismo uma maior capacidade de adaptação, e fortalecendo-o, consequentemente, no cenário global.
Destaca Hélio Afonso de Aguilar Filho que o “capitalismo implica o desenvolvimento de uma racionalidade voltada para o lucro, resultando em um método de empresa” (2011, p. 562). Essa lógica, porém, precisa conciliar os ganhos econômicos com responsabilidades sociais e ambientais, conceito essencial no chamado “capitalismo humanista”, que visa compatibilizar o progresso econômico com direitos humanos e ambientais, afastando-se da ideia de individualização dos lucros e socialização dos custos/prejuízos.
Ana Paula de Barcellos reforça essa visão ao explicar que o princípio da livre iniciativa, presente na Constituição, pressupõe a propriedade privada, assegura a liberdade econômica, protege o direito legítimo ao lucro e à liberdade contratual, sempre dentro dos limites da legalidade e evitando abusos econômicos (2020, p. 469).
Seguindo a linha defendida por juristas renomados como Eros Roberto Grau (2004, p. 186-187), Ricardo Hasson Sayeg e Paulo Dias de Moura Ribeiro (RIBEIRO;SAYEG, 2017), um modelo econômico inclusivo, emancipador e sustentável pode efetivamente realizar a justiça social prevista na Constituição.
Sob essa perspectiva, o agronegócio brasileiro surge como exemplo expressivo dessa evolução, gerando não apenas riquezas econômicas, mas também promovendo inclusão social, emprego e segurança alimentar em âmbito nacional.
Dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) revelam que, em 2024, o setor representou cerca de 22% do PIB nacional. No Estado de Minas Gerais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o agronegócio foi responsável por mais de 30% das exportações estaduais em 2023, destacando-se nos setores de café, pecuária e grãos. O agronegócio, sem dúvidas, impulsiona a economia nacional, gera empregos, aumenta a arrecadação tributária, promove a inclusão social e fortalece a segurança alimentar, contribuindo diretamente na redução das desigualdades sociais e regionais.
No entanto, é preciso reconhecer que o setor ainda enfrenta desafios significativos, como desmatamento ilegal e conflitos socioambientais. Assim, é fundamental que os órgãos públicos de controle e o Ministério Público sigam vigilantes e firmes na fiscalização do cumprimento das normas ambientais e sociais aplicáveis ao agronegócio.
Isso não significa ser inimigo do agronegócio. Pelo contrário, deseja-se contribuir para a construção de soluções e superação dos obstáculos, por meio da regular articulação que deve existir entre os setores público e privado, alicerçada no diálogo republicano que, por sua vez, inadmite omissões no enfrentamento às ilegalidades.
Conclusão: O agronegócio brasileiro desponta como protagonista não apenas pela relevância econômica, mas sobretudo pelo seu potencial de impulsionar o desenvolvimento sustentável e promover a justiça social. Em um país continental e de clima tropical como o Brasil, onde as condições naturais permitem múltiplas safras anuais e produção contínua, é essencial que produtores, consumidores, órgãos governamentais e o Ministério Público intensifiquem o diálogo e ações coordenadas. Essa colaboração integrada contribuirá para assegurar que o setor avance continuamente rumo a um modelo de atuação cada vez mais sustentável, transparente e socialmente responsável.
Bibliografia:
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
HAYEK, Friedrich A. Law, Legislation and Liberty: A New Statement of the Liberal Principles of Justice and Political Economy. Vols. 1-3. Chicago: University of Chicago Press, 1973-1979.
HEILBRONER, Robert. L. The Worldly Phisolosophers: The Lives, Times, and Ideas of the Great Economic Thinkers.7. ed. New York: Simon & Schuster, 2000.
RIBEIRO, Paulo Dias de Moura; SAYEG, Ricardo Hasson. Ordem constitucional econômica do capitalismo humanista. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; GONZAGA, Álvaro de Azevedo; FREIRE, André Luiz (coords.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Tomo: Direito Econômico. Ricardo Hasson Sayeg (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/559/edicao-1/ordem-constitucional-economica-do-capitalismo-humanista. Acesso em: 21 abr. 2025.
SCHUMPETER, Joseph A. Histoy of Economic Analysis. New York: Oxford University Press, 1954.
SMITH, Adm. Na Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations,Londres: W. Strahan and T. Cadell, 1776.